• Os desafios de quem trabalha com o paciente disfágico.

A alimentação é fundamental para a manutenção do equilíbrio do organismo. No entanto, em diversas situações, indivíduos podem apresentar dificuldade para ingerir alimentos de forma segura e efetiva, com o potencial de desencadear consequências negativas que pioram seu estado geral de saúde e tornam mais difícil sua recuperação.

Neste artigo, discutimos a ocorrência da disfagia e os principais desafios para os profissionais que trabalham com pacientes que apresentam esse quadro.

O que é a disfagia?

A World Gastroenterology Organisation define disfagia como a dificuldade de iniciar a deglutição ou a sensação de que alimentos sólidos ou líquidos estão retidos na transição da boca para o estômago. Disfagia, portanto, é o nome dado à dificuldade para conduzir o alimento desde a boca até o estômago. O processo de deglutição é composto por várias fases (descritas a seguir), e alterações em qualquer uma delas podem prejudicar a capacidade de engolir corretamente os alimentos.

 

Fases da deglutição

  • Oral preparatória: envolve as subfases da mastigação, que incluem a incisão, trituração e pulverização do alimento na boca, tornando-se apto a ser deglutido.
  • Oral: o alimento já preparado é impelido para a faringe, dando início à ação de engolir.
  • Faríngea: o tubo faríngeo é elevado e ocorrem contrações peristálticas, criando uma barreira protetora das vias aéreas (evitando, assim, que a pessoa se engasgue).
  • Esofágica: ocorre uma onda peristáltica que desloca o bolo de alimento até o estômago.1

 

Todas essas fases estão interrelacionadas e são comandadas por um complexo mecanismo neuromotor, executado por estruturas que participam também de outras funções, como fala, voz, respiração e sucção.2 A disfagia não é considerada uma doença, e sim o sintoma de alguma outra condição, podendo ter diversas causas relacionadas.3

 

Prevalência da disfagia

A disfagia pode surgir de forma progressiva ou repentina. Em muitos casos, a origem da disfagia está relacionada à presença de doenças que afetam o sistema nervoso, como acidente vascular encefálico (AVE).4

Outras doenças com efeitos neurológicos que podem desencadear a disfagia são mal de Parkinson, mal de Alzheimer, miastenia gravis, distrofia muscular, traumas cranianos, câncer de cabeça e pescoço, tumores cerebrais, esclerose lateral amiotrófica5, paralisia cerebral6, síndrome de Guillain-Barré7.

As disfagias também podem ocorrer como consequência do processo de envelhecimento. Além disso, a prevalência de disfagia tende a aumentar após a internação hospitalar.8

 

Riscos associados à disfagia

Apesar de ocorrer com frequência e, em alguns casos, ser parte natural do envelhecimento, a disfagia é um problema que deve ser encarado pela sua gravidade. O paciente disfágico está exposto a uma série de riscos que devem ser observados pelos profissionais de saúde, sendo os três principais: aspiração, desnutrição e desidratação.9

Aspiração

O paciente com disfagia apresenta risco de aspirar inadequadamente resíduos de alimentos levando-os para o sistema respiratório. Isso pode gerar consequências graves imediatas, como sufocamento, ou causar outros quadros como a pneumonia aspirativa e aumentar o risco de mortalidade.9,10

Desnutrição

Com o medo e a dificuldade de se alimentar adequadamente por via oral, o indivíduo que apresenta disfagia tende a realizar ingestão insuficiente de calorias e nutrientes, correndo o sério risco de desnutrição.11

Desidratação

A consistência líquida é a que mais exige controle fisiológico e, assim, está mais propensa à aspiração. Desse modo, pode haver redução no consumo de água e outros líquidos, o que afeta significativamente o estado de saúde do indivíduo.9

 

É importante ressaltar que, enquanto a aspiração pode causar acidentes ou doenças com potencial de levar ao óbito, a desnutrição e a desidratação também são extremamente danosas ao equilíbrio metabólico. A deficiência hídrica e nutricional pode piorar ainda mais o processo de deglutição, bem como afetar os sistemas imunológico e respiratório, contribuir para o desenvolvimento da insuficiência cardíaca, formação de lesões de decúbito e deficiência funcional do trato gastrointestinal.12,13

 

Alterações na dieta do paciente disfágico

O principal objetivo da terapia nutricional ao paciente disfágico é prevenir a aspiração e o sufocamento, buscando uma alimentação segura e independente, bem como recuperar ou manter o estado nutricional e a hidratação do paciente, com a dieta adaptada às suas necessidades.14 Além disso, a reabilitação fonoaudiológica e os cuidados relacionados à condição bucal e higiene oral, especialmente nos idosos, são fundamentais para a segurança e nutrição do paciente disfágico, como ressalta o I Consenso de Nutrição e Disfagia em Idosos Hospitalizados.5

Definir qual o tipo de dieta que será indicada e ofertada é de extrema importância, pois a consistência da alimentação interfere na reabilitação do paciente.

As dietas hospitalares tem denominações variáveis, conforme cada serviço, mas alguns autores consideram que a dieta branda deve ser indicada em caso de deglutição funcional, a pastosa, se houver disfagia leve, a pastosa homogênea se for leve/moderada e dieta enteral em casos de disfagia grave.15,16

Na prescrição da dieta para o paciente disfágico, é necessário considerar múltiplos fatores como o grau de disfagia, estado cognitivo, capacidade de incorporar manobras compensatórias, grau de independência alimentar, estado nutricional, aceitação e preferência alimentar, disponibilidade de supervisão profissional e familiar e condições socioeconômicas de cada paciente.5

 

A partir desses aspectos, é possível indicar as seguintes condutas:

  • Dieta enteral exclusiva
  • Dieta enteral associada à via oral com restrição de consistências
  • Via oral exclusiva com restrição
  • Via oral com dieta geral
  • Sólidos macios
  • Líquidos espessados
    • Purê
    • Mel
    • Néctar
  • Líquidos finos5

 

Portanto, um dos desafios para os profissionais que cuidam de pacientes disfágicos, é garantir que tenham acesso não apenas a uma nutrição adequada do ponto de vista de sua composição, mas também de sua consistência e via de administração.

Nos casos em que se opta pela via de administração enteral, é possível optar pela fórmula que mais bem atende as necessidades do paciente. Em contrapartida, se a via de alimentação é oral, a adequação nutricional depende não apenas da oferta, mas também da aceitação e, com segurança, sendo mais desafiador atingir as necessidades do paciente.

Outro aspecto da terapia nutricional, na disfagia, que exige atenção é a transição da terapia nutricional enteral para a via oral. Isso porque ela pode não ocorrer de forma suficiente em um primeiro momento, sendo necessário manter a oferta enteral durante um período de transição.17

 

Pontos de atenção na nutrição por vias enteral ou parenteral

As vias alternativas de alimentação disponíveis para pacientes disfágicos estão classificadas em enterais e parenterais.

A nutrição enteral ocorre por sonda nasogástrica (introduzida no nariz, leva o alimento até o estômago), nasoentérica (introduzida no nariz, leva o alimento até o intestino), gastrostomia (introduzida cirurgicamente no estômago) ou jejunostomia (introduzida cirurgicamente no intestino). Já a nutrição parenteral fornece nutrientes e hidratação diretamente na corrente sanguínea, por meio de um acesso central ou periférico.6

Quando uma terapia nutricional é ofertada ao paciente disfágico, busca-se suprir suas necessidades diárias nutrientes e as necessidades hídricas. No entando, é necessário realizar avaliações cuidadosas do indivíduo para garantir a resposta adequada. Isso porque pode haver sobrecarga de fluidos, uma vez que, com a atividade simpática prejudicada, ocorre um retardo do esvaziamento gástrico.18

A retenção de fluidos presente em pacientes críticos também pode limitar a utilização da nutrição parenteral, pois a sobrecarga de fluidos prejudica a função pulmonar e trocas gasosas.

 

Leia também: Qual é a importância de micronutrientes em nutrição parenteral? 

 

De forma adicional, é importante considerar os desafios de aceitação do paciente disfágico em relação às vias enteral e parenteral. É importante validar as barreiras enfrentadas pelo indivíduo, como a eliminação de sabor e aroma dos alimentos, e trabalhar de forma multidisciplinar para que essa adaptação ocorra da melhor maneira possível sempre que essas vias forem necessárias para promover a melhor recuperação física do paciente e com segurança.19

 

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É necessária uma equipe multidisciplinar

Tendo em vista a complexidade e importância de assistir o paciente disfágico, ele deve ser acompanhado por uma equipe multiprofissional para a detecção precoce do sintoma, avaliação da gravidade e adoção das condutas mais adequadas para sua segurança, nutrição e posterior reabilitação. Confira abaixo algumas responsabilidades dos profissionais que atuam no cuidado ao paciente com disfagia.

 

Médico gastroenterologista: responsável por acompanhar o paciente disfágico em todas as etapas de tratamento. Cabe a ele avaliar e prescrever, se for o caso, o uso de sonda e medicamentos (que atuem sobre o sistema nervoso central, sistema nervoso periférico, sistema muscular, sensibilidade orofaríngea, produção de saliva) e, quando neecessário, solicitar intervenção cirúrgica.4

 

Enfermeiro: ator importante na identificação precoce e prevenção de complicações da disfagia. A partir do cuidado integral do paciente, deve estar atento a sinais e sintomas como tosse ou engasgo ao engolir, regurgitação, desidratação, perda de apetite e salivação constante. Em caso de prescrição médica de dieta via enteral ou parenteral, é deste profissional a atribuição de administrá-la, realizar a manutenção da sonda e fornecer orientações ao paciente e à família.4

 

Fonoaudiólogo: responsável por investigar a disfagia tanto no momento do diagnóstico quanto na reintrodução da dieta por via oral. Contribui para a redução de complicações que acometem o funcionamento do sistema respiratório, a ingestão hídrica e a nutrição. Também pode orientar exercícios ao paciente para a reorganização de uma deglutição eficiente.4

 

Nutricionista: profissional que realiza a avaliação do estado nutricional do paciente e estabelece as dietas que serão prescritas a ele. Por meio dessa atuação, o indivíduo tem a assistência necessária para receber nutrientes, calorias e hidratação adequados, além de educação nutricional específica para a situação.4

 

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Referências

  1. DODDS, Wylie J.; STEWART, Edward T.; LOGEMANN, Jeri A. Physiology and radiology of the normal oral and pharyngeal phases of swallowing. American journal of roentgenology (1976), v. 154, n. 5, p. 953-963, 1990. Disponível em: https://www.ajronline.org/doi/10.2214/ajr.154.5.2108569. Acessado em novembro de 2022.
  2. MOREIRA, Márcio José da Silva; SANTOS, Roberta Nascimento de Oliveira Lemos dos; PALACIOS, Marisa. Fonoaudiologia, conflitos decisórios e pacientes disfágicos: revisão integrativa. Revista Bioética, v. 29, p. 401-415, 2021. Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/2822/2633. Acessado em novembro de 2022.
  3. OLIVEIRA, Mariana Mendonça Greghi et al. Terapia nutricional em disfagia: a importância do acompanhamento nutricional. Dysphagia nutrition therapy: the importance of monitoring nutrition. Revista de Atenção à Saúde, v. 6, n. 16, 2008. Disponível em: https://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_ciencias_saude/article/view/382/192. Acessado em novembro de 2022.
  4. ARAÚJO, Camila Nunes; CASTILHO, Marcia Rodrigues Moreira; GÓES, Viviane Borim de. A equipe multidisciplinar no cuidado a disfagia orofaríngea neurogênica pós acidente vascular encefálico. Revista Científica Eletrônica de Ciências Aplicadas da FAIT. 2019. Disponível em: http://www.fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/E3fzEqEpOZbC1fg_2020-7-23-19-37-38.pdf. Acessado em novembro de 2022.
  5. NAJAS, Myrian (coord). I Consenso Brasileiro de Nutrição e Disfagia em Idosos hospitalizados. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 2011. Disponível em: https://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2014/10/Consenso_Brasileiro_de_Nutricao1.pdf. Acessado em novembro de 2022.
  6. MENEZES, Edênia da Cunha; SANTOS, Flávia Aparecida Hora; ALVES, Flávia Lôbo. Disfagia na paralisia cerebral: uma revisão sistemática. Revista CEFAC, v. 19, p. 565-574, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rcefac/a/DCgmW4mNFzSfqBD5fswxdwm/?format=html&lang=pt. Acessado em novembro de 2022.
  7. CASTRO, Jacqueline Cássia; SANTOS, Uliana Medeiros; SILVA, Ledismar José. Variante Miller Fisher da Síndrome de Guillain-Barré: relato de caso. Revista de Medicina e Saúde de Brasília, v. 1, n. 3, 2012. Disponível em: Link. Acessado em novembro de 2022.
  8. ACOSTA, Nicole Bicca; CARDOSO, Maria Cristina de Almeida Freitas. Presbifagia: estado da arte da deglutição do idoso. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano, v. 9, n. 1, 2012. Disponível em: http://seer.upf.br/index.php/rbceh/article/view/1504/pdf. Acessado em novembro de 2022.
  9. MAYO CLINIC. Dysphagia. Disponível em: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/dysphagia/symptoms-causes/syc-20372028. Acessado em novembro de 2022.
  10. BRASIL. Ministério da Educação. Disfagia: saiba identificar os sintomas e prevenir as consequências. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/comunicacao/noticias/disfagia-saiba-identificar-os-sintomas-e-prevenir-as-consequencias. Acessado em novembro de 2022.
  11. NIH Publication. Dysphagia. 2017. Disponível em: https://www.nidcd.nih.gov/health/dysphagia. Acessado em novembro de 2022.
  12. SOUZA BBA; et al. Nutrição & Disfagia – Guia para Profissionais. Curitiba: NutroClínica, 2003.
  13. JACOBI JS; LEVY DS; SILVA LMC. Disfagia – Avaliação e Tratamento. Rio de Janeiro: Revinter; 2003.
  14. BRASIL. Ministério da Saúde. Consenso nacional de nutrição oncológica. Instituto Nacional de Câncer. – Rio de Janeiro: INCA, 2009. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/consenso_nacional_nutricao_oncologico.pdf. Acessado em novembro de 2022.
  15. FERREIRA, Ana Carolina Rocha Gomes et al. Interferência da disfagia orofaríngea no consumo alimentar de indivíduos com mucopolissacaridose II. Revista CEFAC, v. 14, p. 1184-1196, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rcefac/a/s6vy6r4FDhqhCk7CWTXGLpR/?lang=pt. Acessado em novembro de 2022.
  16. CARVALHO, Beatrice; SALES, Deboráh Santos. Disfagia e Desnutrição. 2014. Disponível em: https://sbgg.org.br//wp-content/uploads/2014/10/especial.pdf. Acessado em novembro de 2022.
  17. SONSIN, P. B.; et al. Análise da assistência nutricional a pacientes disfágicos hospitalizados na perspectiva de qualidade. O Mundo da Saúde, 2009. Disponível em: http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/69/310a319.pdf. Acessado em novembro de 2022.
  18. BISINOTTO, Flora Margarida Barra et al. Estudo comparativo do esvaziamento gástrico entre uma solução isotônica e um suplemento nutricional por meio da ultrassonografia. Revista Brasileira de Anestesiologia, v. 69, p. 115-121, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rba/a/FJCdyKG4pXVGrrYsr7hmyGL/?lang=pt&format=pdf. Acessado em novembro de 2022.
  19. DUARTE, Camila Maria Estanislau; PEREIRA, Luciana Picanço; SILVA, Ronara Nepomuceno. Disfagia, Vias Alternativas de Alimentação e suas Implicações na Vida do Sujeito. Disponível em: https://repositorio.pgsskroton.com/bitstream/123456789/21280/1/02%20-%20Disfagia%2C%20Vias%20Alternativas.pdf. Acessado em novembro de 2022.
  20. WORLD GASTROENTEROLOGY ORGANISATION. Disfagia, 2014. Disponível em: http://www.worldgastroenterology.org/UserFiles/file/guidelines/dysphagiaportuguese-2014.pdf. Acessado em novembro de 2022. 

 

 

Publicado em 07 de Junho de 2023

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