• Qual é o tempo certo do jejum pré-operatório?

A primeira diretriz publicada sobre jejum pré-operatório foi lançada em 1883 por Joseph Lister, o cirurgião britânico que fundou a medicina antisséptica1. As primeiras utilizações da técnica de jejum pré-operatório ocorreram quando a técnica anestésica envolvia uso do clorofórmio. O objetivo do uso do jejum antes de procedimentos operatórios era evitar complicações respiratórias decorrentes de vômitos e aspiração de conteúdo gástrico. Situação que ocorria frequentemente ao utilizar o clorofórmio1,2.

As recomendações se basearam nos sintomas descritos na “Síndrome de Mendelson”. O nome da síndrome carrega uma homenagem ao médico obstetra que, em 1946, revisou casos de óbitos em gestantes, relacionados à aspiração de conteúdo gástrico sólido em operações com indução anestésica geral2.

Com a observação dos sintomas, foi reconhecido que durante o trabalho de parto deveria haver retardo do esvaziamento gástrico. Além disso, determinou-se o estabelecimento do jejum pré-operatório noturno com a recomendação “nada pela boca” antes da indução anestésica2.

Com o surgimento da abordagem da medicina baseada em evidências, surge a necessidade de fundamentar as condutas clínicas. Para isso, foi preciso aumentar a eficiência dos serviços de saúde, bem como desmitificar paradigmas antigos da medicina. Dessa forma, os estudos foram direcionados para a realização de estudos clínicos, revisados por pares e que fundamentam cientificamente novas abordagens e estratégias terapêuticas3.

 

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Qual o tempo do jejum pré-operatório?

Dessa forma, de acordo com a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo, o jejum pré-operatório a partir da meia-noite é desnecessário na maioria dos pacientes. Existem algumas variações de tempo de acordo com que é ingerido. São elas4:

 

Líquidos claros

Os adultos devem ser encorajados a beber líquidos claros (água, suco sem polpa, chá e café (sem leite) até duas horas antes do procedimento4,5.

O esvaziamento gástrico depende do volume de líquido no estômago, conteúdo calórico, pH e osmolaridade do conteúdo gástrico, mas todos os líquidos, independentemente dessas variáveis, são eliminados do estômago 90 minutos após o consumo5.

 

Alimentos sólidos

Pacientes adultos e pediátricos não devem ingerir alimentos sólidos por pelo menos seis horas antes do procedimento5.

O esvaziamento gástrico de alimentos sólidos é um processo mais lento em relação aos líquidos e segue uma relação linear. Depende principalmente da densidade calórica da refeição e não está relacionada à quantidade de alimentos ingeridos. Atualmente, nenhum estudo determinou a duração mínima segura após o consumo de alimentos sólidos5.

 

Leite no chá/café

Bebidas com adição de leite (menos de um quinto do volume total) devem ser tratadas como líquidos claros5.

O leite coagula no estômago e, portanto, sua cinética de esvaziamento segue a de uma refeição sólida. No entanto, apesar da falta de evidências publicadas sobre o assunto, a adição de pequenos volumes de leite às bebidas quentes (se a quantidade de leite não for superior a um quinto do volume da bebida) pode ser contado como um líquido claro e, portanto, pode ser consumido até duas horas antes do procedimento, conforme aconselha a Sociedade Europeia de Anestesiologia6.

 

Goma de mascar

Pacientes que mascam chiclete não devem ter seu procedimento adiado5.

Apesar disso, a goma de mascar é uma preocupação, pois o ato de mascar pode promover secreções gástricas levando a um aumento do volume e da acidez do líquido gástrico5.

Entretanto, não foram encontradas diferenças significativas nesses parâmetros entre pacientes que mascam e não mascam goma. Concluiu-se, portanto, que a goma de mascar não deve ser tratada nem como um sólido ou líquido e um paciente não deve ter um procedimento adiado por ter consumido goma de mascar5.

 

Pacientes com maior risco de aspiração pulmonar/grupos especiais de pacientes

Pacientes com retardo no esvaziamento gástrico apresentam risco aumentado de aspiração pulmonar quando submetidos à anestesia ou sedação. Os grupos de pacientes que são particularmente preocupantes são aqueles com implicações na condição gastrointestinal, incluindo câncer, obesidade, refluxo gastroesofágico, diabetes e pacientes grávidas5.

Embora se saiba que esses pacientes terão esvaziamento gástrico retardado, atualmente não há pesquisas para confirmar quanto tempo os pacientes com essas condições precisam ficar em jejum para garantir o estômago vazio5.

 

Dessa forma, o jejum pré-operatório noturno “nada pela boca”, frequentemente praticado, parece não ser a melhor opção de preparação para candidatos à operação eletiva sob o ponto de vista metabólico e do bem-estar do próprio paciente5.

 

 

 

 

 

Referências

  1. MALTBY, J. Roger. Fasting from midnight–the history behind the dogma. Best practice & research clinical anaesthesiology, v. 20, n. 3, p. 363-378, 2006.
  2. MENDELSON, Curtis L. The aspiration of stomach contents into the lungs during obstetric anesthesia. Obstetrical & Gynecological Survey, v. 1, n. 6, p. 837-839, 1946.
  3. FARIA, Lina; OLIVEIRA-LIMA, José Antonio de; ALMEIDA-FILHO, Naomar. Medicina baseada em evidências: breve aporte histórico sobre marcos conceituais e objetivos práticos do cuidado. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 28, p. 59-78, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/R8z4HdFLyXTRWk6dmxBgvkK/. Acesso em dezembro de 2022.
  4. WEIMANN, Arved et al. ESPEN practical guideline: Clinical nutrition in surgery. Clinical Nutrition, v. 40, n. 7, p. 4745-4761, 2021. Disponível em: https://www.espen.org/files/ESPEN-Guidelines/ESPEN_practical_guideline_Clinical_nutrition_in_surgery.pdf. Acesso em dezembro de 2022.
  5. DORRANCE, Mark; COPP, Michael. Perioperative fasting: A review. Journal of perioperative practice, v. 30, n. 7-8, p. 204-209, 2020.
  6. SMITH, Ian et al. Perioperative fasting in adults and children: guidelines from the European Society of Anaesthesiology. European Journal of Anaesthesiology| EJA, v. 28, n. 8, p. 556-569, 2011. Disponível em: https://journals.lww.com/ejanaesthesiology/Fulltext/2011/08000/Perioperative_fasting_in_adults_and_children_.4.aspx. Acesso em dezembro de 2022.

 

 

Publicado em 28 de Junho de 2023

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