• Qual a importância do jejum no pré e pós-operatório?

A preparação padrão para muitos procedimentos cirúrgicos exige que os pacientes jejuem. Inclusive, a não adesão às orientações de jejum é causa de cancelamento de procedimentos. Isso ocorre para evitar a possibilidade de aspiração pulmonar do conteúdo do estômago durante a operação1.

A aspiração pulmonar é definida como a inalação de conteúdo orofaríngeo ou gástrico para o trato respiratório2 e já foi considerada a causa mais comum de morte durante anestesia em pacientes adultos.

Dessa forma, para minimizar o risco de um paciente sofrer de aspiração pulmonar, os pacientes são submetidos a jejum perioperatório, ou seja, um período em que nenhum sólido ou líquido pode ser ingerido pela boca.

Anteriormente, a preparação padrão para um procedimento cirúrgico exigia que os pacientes jejuassem após a meia-noite, no dia antes da operação. Entretanto, dada a natureza imprevisível do agendamento cirúrgico e os atrasos inevitáveis, os pacientes jejuavam por muito mais tempo do que o esperado1.

E no pós-operatório, a prática envolvia evitar completamente a nutrição oral até a resolução do íleo pós-operatório ou recuperação da função intestinal, geralmente resultando em vários dias de jejum3.

 

O problema do jejum prolongado

Dessa forma, o paciente poderia passar muito tempo de jejum: do pré-operatório até o pós-operatório. E o jejum prolongado não é isento de danos aos pacientes, especialmente aqueles com comorbidades médicas1.

O jejum prolongado pode resultar rapidamente em desidratação e necessidade de reposição de líquidos durante a anestesia, além de aumentar a necessidade de reposição de sangue durante o procedimento cirúrgico. A desidratação e a perda sanguínea durante o procedimento cirúrgico reduzem o volume sanguíneo e alteram a cinética da droga anestésica, o que pode levar a mais efeitos colaterais1.

 

Jejum pré-operatório

A prática do jejum pré-operatório baseia-se na premissa de que o jejum permite tempo para que ocorra o esvaziamento gástrico, reduzindo assim o risco de pneumonite aspirativa durante a anestesia1.

No entanto, a necessidade de tais períodos perioperatórios excessivos de jejum tem sido consistentemente questionada nas últimas décadas por numerosos estudos. Algum grau de jejum é frequentemente necessário antes da cirurgia ou de certos procedimentos, para garantir um estômago vazio e prevenir a aspiração pulmonar devido à inibição dos reflexos de vômito, tosse e deglutição após a administração de anestesia geral3.

No entanto, evidências indicam que um jejum de 2 horas e 6 horas após líquidos claros e sólidos, respectivamente, fornece tempo adequado para o esvaziamento gástrico3.

 

Jejum pós-operatório

O tempo de jejum estende-se até o pós-operatório, quando rotineiramente se adere a uma cultura organizacional de seis horas com “nada pela boca”, com grande variabilidade, de acordo com a instituição, tipo de cirurgia e aspectos individuais dos profissionais envolvidos4.

O tempo preconizado de jejum no pós-operatório depende do procedimento realizado, podendo variar de seis a oito horas para pacientes que realizam procedimentos cirúrgicos que não envolvem o trato gastrointestinal e de 24 horas ou mais para cirurgias em que há manipulação de órgãos do aparelho digestivo, assegurando-se o retorno do peristaltismo, desde que o paciente esteja hemodinamicamente estável4.

Na prática clínica, porém, essas recomendações não são seguidas, podendo o tempo de jejum ser reduzido ou aumentado em excesso, acarretando aumento do tempo de internação e complicações pós-cirúrgicas, como fome, estresse e sede4.

Além disso, a alta prevalência de desnutrição em pacientes hospitalares cirúrgicos e a resposta catabólica à cirurgia têm uma ampla gama de impactos negativos consistentes com os efeitos do jejum prolongado, incluindo uma função imunológica comprometida, retardo na cicatrização de feridas, diminuição da força muscular e aumento da morbidade geral. Portanto, é provável que períodos excessivos de jejum possam exacerbar esses resultados3.

 

Recomendação

Dessa forma, de acordo com a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo, o jejum pré-operatório a partir da meia-noite é desnecessário na maioria dos pacientes. Pacientes submetidos à cirurgia, considerados sem risco específico para aspiração, devem ingerir líquidos claros até 2 h antes da anestesia. Sólidos devem ser permitidos até 6 h antes da anestesia5.

Não há evidências de que os pacientes que receberam líquidos claros até 2 h antes de operações eletivas tenham maior risco de aspiração ou regurgitação do que aqueles que jejuaram pelas 12 h tradicionais ou mais, uma vez que os líquidos claros esvaziam o estômago em 60 e 90 min5.

Exceções a essa recomendação são os pacientes “de risco especial”, submetidos à cirurgia de emergência, aqueles com retardo conhecido no esvaziamento gástrico por qualquer motivo ou refluxo gastroesofágico5.

E no caso de jejum pós-operatório, o tempo preconizado de jejum vai depender do procedimento realizado4.

 

 

 

 

 

Referências:

  1. CHON, Telliane; MA, Alfred; MUN-PRICE, Connie. Perioperative fasting and the patient experience. Cureus, v. 9, n. 5, 2017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5481178/. Acesso em janeiro de 2023.
  2. NASON, Katie S. Acute intraoperative pulmonary aspiration. Thoracic surgery clinics, v. 25, n. 3, p. 301-307, 2015. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4517287/. Acesso em janeiro de 2023.
  3. LAMBERT, Eva; CAREY, Sharon. Practice guideline recommendations on perioperative fasting: a systematic review. Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, v. 40, n. 8, p. 1158-1165, 2016.
  4.  TOFANI, Vinicius et al. Jejum pós-operatório prolongado: um problema negligenciado. REME-Revista Mineira de Enfermagem, v. 26, p. 1-9, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/reme/article/view/38657/30046. Acesso em janeiro de 2023.
  5. WEIMANN, Arved et al. ESPEN practical guideline: Clinical nutrition in surgery. Clinical Nutrition, v. 40, n. 7, p. 4745-4761, 2021. Disponível em: https://www.espen.org/files/ESPEN-Guidelines/ESPEN_practical_guideline_Clinical_nutrition_in_surgery.pdf. Acesso em janeiro de 2023.

 

 

Publicado em 26 de Julho de 2023

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